Para as crianças, o ato de brincar é mais
importante do que ter brinquedos. Pais podem criar hábito de doar as peças que
não são mais usadas.
As prateleiras das lojas infantis são
semanalmente abastecidas com novidades e é impossível acompanhá-las. Mas quando
sua casa parece apresentar mais opções de brinquedos do que uma
loja é hora de se perguntar: seu filho precisa de tudo isso? Provavelmente não.
Encher a criança de brinquedos pode ter a melhor das intenções, mas facilmente
se torna um revés. De acordo com Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do
Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP, ter muitos brinquedos
dificulta o entendimento de limites e aumenta a possibilidade da criança se
tornar um adulto consumista no futuro. Para evitar os excessos, a regra é
básica: a necessidade da criança é brincar, não ter brinquedos.
Segundo a especialista, o aumento da
aquisição de brinquedos pelas famílias é determinado pelas propagandas direcionadas às
crianças, estimuladoras primeiras do consumismo infantil. “Mas elas não precisam
de tantos objetos pra brincar. Tampouco estes objetos precisam ser os da
indústria de brinquedos”, diz. Quem nunca viu o filho brincando com a caixa onde
veio o brinquedo, sem dar a menor trela para o brinquedo em si? Objetos comuns
como panelas, sapatos e pedaços de pano podem facilmente se tornar brinquedos
nas mãos das crianças. “O importante mesmo é a ação de brincar”, afirma
ela.
Disso a coordenadora de eventos Flávia
Spielkamp, de 28 anos, tem certeza. A filha Gabriela, de quatro anos, vive andando para lá e para cá
com uma maletinha cheia de objetos. Entre eles estão um garfinho, uma bonequinha
de pelúcia e uma lanterna. “Essa maletinha é o brinquedo mais legal que ela tem
hoje”, conta. Segundo o educador e antropólogo Tião Rocha, fundador do Centro
Popular de Cultura e Desenvolvimento, o melhor brinquedo que os pais podem dar
às crianças é aquele que estimula a imaginação: “Dar um boneco que fala e anda
para a criança, por exemplo, é bobagem. É um brinquedo que brinca sozinho e,
como ela não aguenta aquela repetição, o abandona rapidinho”.
Mais de dez minutos
Flávia se
recorda de um conjunto de cozinha musical que a filha ganhou de presente. “Ela
não consegue inventar nada de diferente com aquilo”, diz Flávia. A menina não
passou mais de 10 minutos com o brinquedo. A diferença, explica Tião, reside na
finalidade e nas possibilidades apresentadas pelo brinquedo. Alguns oferecem
somente entretenimento e passatempo, sem chances de envolvimento criativo – e
tendem a ser abandonados mais rapidamente. Se o quarto de uma criança estiver
cheio deles, facilmente ela perderá o interesse pela maioria: “O que ela precisa
é de uma oportunidade e um espaço para brincar e fantasiar. Os brinquedos devem
estimular isso”.
Para o psicólogo Áderson Costa,
especialista em desenvolvimento e professor do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília (UnB), alguns brinquedos podem colaborar para o
desenvolvimento das crianças à medida que elas vão crescendo (veja os brinquedos certos para cada idade). E não
necessariamente são aqueles mais tecnológicos e caros, como muitos pais devem
imaginar.
Bebês que estão começando a engatinhar, por
exemplo, preferem objetos coloridos e que mudam de forma, por aumentarem a
curiosidade natural dos pequenos. Já crianças entre três e quatro anos se sentem
muito instigadas por brinquedos de encaixe, que podem montar e desmontar. Para
já alfabetizadas, atividades que envolvem regras – como jogos de tabuleiro –
colaboram para a socialização. “São brinquedos que não necessariamente precisam
ser industrializados”, afirma o especialista. Com material descartável, por
exemplo, é possível construir brinquedos incríveis e ensinar os pequenos a
construí-los.
Tião Rocha acrescenta que, aos olhos de uma
criança, facilmente uma caixa de sapato pode virar um caminhãozinho. Já no dia
seguinte, a mesma caixa pode ser uma casinha, e assim por diante. “Qualquer
produto fechado em si mesmo é um empecilho à criação da criança”, diz. Um
exemplo é quando a criança desmonta um brinquedo – consequentemente quebrando-o.
“Ela quer saber como funciona. A durabilidade de um brinquedo é o tempo da
curiosidade”, completa.
Muito mais que o brinquedo em si, portanto, o
envolvimento dos pais no brincar da criança é realmente essencial. Em vez de se
preocupar em adquirir produtos, o melhor é disponibilizar tempo e oportunidade
para brincar com os filhos.
O ato de brincar, independentemente da quantidade
de brinquedos à disposição, deve ser oferecido com qualidade. E claro, outras
atividades também devem entrar na rotina. Segundo Maria Ângela, crianças que não
têm oportunidade de ir ao teatro, brincar de esconde-esconde ou fazer uma
cabaninha, por exemplo, facilmente se voltam à televisão como fonte única de
entretenimento. “Se a criança tem diferentes oportunidades de criação e
imaginação, é mais fácil perceber que não precisa consumir tanto”, diz.
Limites e reutilização
Quanto
mais brinquedos a criança tiver, mais ela pode desejar. Muitas vezes a motivação
deste desejo passa longe do uso lúdico e surge da influência do amiguinho da
escola, que já tem um. Cabe aos pais colocar limites. “Se deixar, a criança
consome tudo e um pouco mais”, afirma Flávia. Como familiares e amigos colaboram
para o excesso trazendo brinquedos em visitas e festas, a mãe resolveu deixar
claro que presente é só para datas comemorativas – aniversário e Natal – e olhe
lá: “Não quero que deem presente para a Gabriela à toa”. Mesmo assim, ela já tem
mais do que precisa.
Por isso, Flávia instituiu como tradição doar os
brinquedos que já foram deixados de lado. “Desde pequena sentamos juntas e
separamos os brinquedos que não despertam mais o interesse dela. Mesmo que diga
ainda gostar de um ou de outro, ela aceita”, diz. Gabriela, mesmo aos quatro
anos, entende que outras crianças irão brincar mais do que ela com aquele
brinquedo. E aceita. “Faço isso para ela praticar o desapego e entender a
dificuldade que é ter as coisas”, diz a mãe.
O psicólogo Áderson Costa sugere uma estratégia:
mostrar aos pequenos que um mesmo brinquedo pode ser utilizado de muitas
maneiras diferentes. Os pais podem fazer uma competição para descobrir novas
formas de usar o brinquedo: “Dessa forma, o objeto pode ser redescoberto e se
tornar, mais uma vez, o melhor brinquedo do mundo”.